The cure for boredom is curiosity. There is no cure for curiosity.

06
Jun 10

Cresci ao contrário daquilo que qualquer livro de pedagogia possa aconselhar: em frente a um televisor. Sempre passei muitas horas sozinha em casa e sempre fui uma criança molengona que fingia dores de barriga para não ter de ir aprender a andar de bicicleta - algo que, aliás, até hoje não sei fazer. Os meus amigos imaginários eram personagens de TV, a minha primeira paixão foi o Michael J. Fox (cortesia hormonal do “Quem Sai Aos Seus”), decidi aos nove anos que queria ser jornalista por causa da “Murphy Brown”, ganhava aos meus primos muito mais velhos no Trivial Pursuit à pala de cultura geral que tinha ganho nos Simpsons, brincava à apanhada numa versão chamada “Tu És O Basílio Horta” por ver diariamente telejornais com o meu pai. Acho que durante esta obsessão por televisão (ver 14 horas seguidas era habitual) a minha mãe temeu de tudo, desde que eu ficasse de vez com as costas desfeitas pelas posições tortas no sofá até que me tornasse uma amorfa anti-social. Nenhuma destas se tornou verdade . Mais: se não fossem todas aquelas horas de íris rectangular, dificilmente teria o muy jeitoso emprego que tenho hoje.

Os hábitos para com a televisão mudaram. E não falo só de mim. Já não é preciso alapar as nádegas num maple à hora certa para acompanhar aquela série que chega cá dois anos depois de ter estreado do outro lado do oceano.  O Festival da Eurovisão já não tem grande interesse, a não ser que o estejamos a ver com um grupo alcoolicamente alterado (fala a experiencia, apesar de não estar totalmente auxiliada pela sua colega memória). E o ecrã de televisão tornou-se na versão velhinha e chata do ecrã de computador.

A isto tudo, acrescente-se que também me aconteceu a vida. As in “passei a ter uma”. E por mais que goste de uma boa ficção e por mais que me encante com personagens, já nunca mais voltaram a tomar o lugar dos acontecimentos e das pessoas que tenho a sorte de ir tendo no meu guião diário, apesar de alguns plot points que deixariam o Robert Mckee(*) a guinchar impropérios. Não estou com isto a renegar a caixinha que já me fez (e faz) rir e chorar e tomar decisões. É  um ciclo vicioso: a televisão preparou-me para a vida; agora a vida possibilita-me compreender com mais plenitude o que se passa na televisão. Mas entre uma ou outra, nem hesito.

Esta última escolha parece-me óbvia que dói, mas não é sempre assim com toda a gente. Aliás, lembrei-me de tudo isto porque recentemente provei daquele que, há uns anos (talvez não assim tantos), seria o meu próprio veneno. Um amigo que quase se orgulha de preferir personagens a amigos, episódios a vivências. Diz-me que eu não percebo. Se calhar, até percebo bem demais. E por isso é que mói. Porque, há uns anos, eu talvez também estivesse mais ralada com o final do Lost do que com alguém próximo. É mais ou menos a mesma sensação que olhar para as marcas de pneu queimado à beira de um precipício e saber que se travou a tempo.

E, já agora, não me contem como é que acaba o Lost. Ainda só vou na quarta temporada. Não ando com muito tempo para ver televisão.

 

 

(*) = guru do guionismo. Mesmo.

publicado por Miss November às 21:50

Mais

Comentar via SAPO Blogs

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.


Junho 2010
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
15
17
19

20
21
24
25
26

27
28
29
30


subscrever feeds
mais sobre mim

ver perfil

seguir perfil

5 seguidores

pesquisar neste blog
 
Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

blogs SAPO